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Escramblase: a enzima que mexe

Não há campo mais curioso (para mim, pelo menos) que os nomes dos compostos químicos e bioquímicos. É claro, nos livros fala-se que eles devem ser descritivos e fazer referência à função, mas historicamente os cientistas têm batizado suas descobertas com muita imaginação.

Por exemplo, o ácido barbitúrico. Seu descobridor, o alemão von Baeyer, denominou-o assim por tê-lo descoberto em 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara. Os bukminsterfullerenes (buckyballs para os amigos), compostos de carbono, foram uma homenagem ao design e arquiteto Buckmister Fuller, pela semelhança com seus domes geodésicos (formas que ele usava em seus desenhos).

E a draculina (draculin em inglês) foi o nome “lógico” de uma glicoproteína achada na saliva dos morcegos vampiros…

Enquanto no passado os nomes derivavam-se do latim, hoje temos nomes provenientes do alemão, francês, espanhol e, sobretudo, do

scramblase

Escramblase, numa representação de fitas.

inglês. Os anglofalantes, diferentemente de nós latinos, são mais descontraídos na hora de dar um nome. Quando descobriram uma enzima que transloucava (translocate), ou seja, passava fosfolipídios entre as duas camadas da membrana lipídica, não desanimaram pelo fato do nome “translocase” já ter sido usado. Pegaram o termo inglês scramble (mexer) e formaram scramblase. Ainda bem que a tradição dita que os nomes dos compostos não são traduzidos pelo significado, só adaptados à grafia da língua. Assim, temos escramblase em português e escramblasa em espanhol (sim, nós mudamos a terminação –ase das enzimas para -asa).

Agora, há muito estudante com imaginação fértil demais. Na minha faculdade, esta enzima era conhecida como revoltillasa (revoltillo = scrambled eggs). Em Português: ovomexidase, ou uma mais próxima ao original: mexidase. Se você acha ridículo, pense no porquê dos anglofalantes poderem usar palavras comuns na ciência e nós morrermos de vergonha de usar as nossas. Então, se está para isolar ou descobrir um novo composto, por exemplo, do Rio Tietê, pense seriamente em batizá-lo como Tieteína. Os anglofalantes vão adorar.